Caros irmãos e irmãs,
Estamos na vigília do dia em que celebraremos os
50 anos da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II e início do Ano da Fé.
Com esta Catequese g
ostaria
de começar a refletir – com alguns breves pensamentos – sobre o grande evento
da Igreja que foi o Concílio, evento do qual sou testemunha direta. Isso, por
assim dizer, nos aparece como um grande afresco, pintado em sua grande
multiplicidade e variedade de elementos, sob a orientação do Espírito Santo. E
como diante de um grande quadro, daquele momento de graça continuamos também
hoje a colher a sua extraordinária riqueza, a redescobrir passagens especiais,
fragmentos, entalhes.
O Beato João Paulo II, no limiar do terceiro milênio, escreveu: “Sinto mais do
que nunca o dever de apontar o Concílio como a grande graça da qual a Igreja se
beneficiou no século XX: nisso nos é oferecido uma bússola segura para nos
orientar no caminho do século que se abre” (Lett. ap. Novo millennio ineunte,
57). Penso que esta imagem seja eloquente. Os documentos do Concílio Vaticano
II, aos quais é preciso retornar, removendo-os de uma massa de publicações que
sempre em vez de fazê-los conhecer os tem escondido, são, também para o nosso
tempo, uma bússola que permite ao navio da Igreja proceder em mar aberto, em
meio à tempestade ou onde é calmo e tranquilo, para navegar segura e chegar à
meta.
Eu recordo bem aquele período: era um jovem professor de teologia fundamental
na Universidade de Bonn, e foi o arcebispo de Colônia, o Cardeal Frings, para
mim um ponto de referência humana e sacerdotal, que me levou consigo a Roma
como seu teólogo consultor; depois fui também nomeado perito conciliar. Para
mim foi uma experiência única: depois de todo o fervor e entusiasmo da
preparação, pude ver uma Igreja viva – quase três mil Padres conciliares de
todas as partes do mundo reunidos sob a orientação do Sucessor do Apóstolo
Pedro – que se coloca na escola do Espírito Santo, o verdadeiro motor do
Concílio. Raramente na história foi possível, como então, quase “tocar”
concretamente a universalidade da Igreja em um momento de grande realização de
sua missão de levar o Evangelho em todo tempo e até os confins da terra. Nestes
dias, poderemos rever as imagens da abertura dessa grande assembleia através da
televisão ou dos outros meios de comunicação, poderão perceber também vocês a
alegria, a esperança e o encorajamento que deu a todos nós o tomar parte deste
grande evento de luz, que se irradia até hoje.
Na história da Igreja, como vocês sabem, vários Concílios antecederam o
Vaticano II. Geralmente estas grandes Assembleias eclesiais foram convocadas
para definir elementos fundamentais da fé, sobretudo corrigindo erros que a
colocavam em perigo. Pensemos no Concílio de Niceia em 325, para contrastar a
heresia ariana e confirmar com clareza a divindade de Jesus Filho Unigênito de
Deus Pai; ou aquele de Éfeso, de 431, que chamou Maria como Mãe de Deus; ou
aquele de Calcedônia, de 451, que afirmou a única pessoa de Cristo em duas
naturezas, a natureza divina e a humana. Para vir mais próximo a nós, devemos
citar o Concílio de Trento, no século XVI, que esclareceu os pontos essenciais
da doutrina católica diante da Reforma protestante; ou o Vaticano I, que
começou a refletir sobre vários temas, mas teve tempo de produzir somente dois
documentos, um cobre o conhecimento de Deus, a revelação, a fé e as relações
com a razão e outro sobre a primazia do Papa e sobre a infalibilidade, porque
foi interrompido pela ocupação de Roma em setembro de 1870.
Se olhamos para o Concílio Ecumênico Vaticano II, vemos que naquele momento do
caminho da Igreja não havia erros particulares de fé para corrigir ou condenar,
nem houve questões específicas de doutrina ou de disciplina a serem
esclarecidas. Pode-se compreender então a surpresa do pequeno grupo de cardeais
presentes na sala capitular do mosteiro beneditino em São Paulo Fora dos Muros,
quando, em 25 de janeiro de 1959, o Beato João XXIII anunciou o Sínodo
diocesano em Roma e o Concílio para a Igreja Universal. A primeira questão que
se colocou na preparação deste grande evento foi o próprio modo de começá-lo,
quais tarefas atribuir-lhe. O Beato João XXIII, no discurso de abertura, em 11
de outubro há 50 anos, deu uma indicação geral: a fé devia falar de modo
“renovado”, mais incisivo – porque o mundo estava mundando rapidamente –
mantendo porém intactos os seus conteúdos perenes, sem falhas ou compromissos.
O Papa desejava que a Igreja refeltisse sobre a sua fé, sua verdade que a guia.
Mas desta séria e profunda reflexão sobre a fé precisava ser delineado de modo
novo a relação entre a Igreja e a idade moderna, entre o Cristianismo e certos
elementos essenciais do pensamento moderno, não para estar em conformidade com
esses, mas para apresentar a este nosso mundo, que tende a afastar-se de Deus,
o ensinamento do Evangelho em toda a sua grandeza e em toda a sua pureza (cfr
Discurso à Cúria Romana pelos cumprimento natalinos, 22 de dezembro de 2005).
Indica-o muito bem o Servo de Deus Paulo VI na homilia no fim da última sessão
do Concílio – em 7 de dezembro de 1965 – com palavras extraordinariamente
atuais, quando afirma que, para avaliar adequadamente este evento: “deve ser
observado no tempo em que se verificou. De fato – diz o Papa – ocorreu em um
momento em que, como todos reconhecem, os homens estão voltados ao reino da
terra em vez de estarem voltados ao reino dos céus; um tempo, acrescentamos, em
que o esquecimento de Deus se faz habitual, o progresso científico quase o
sugere; um tempo em que o ato fundamental da pessoa humana produz mais
consciência de si e da própria liberdade, tende a afirmar a própria autonomia
absoluta, emancipando-se de toda a lei transcendente; um tempo em que o
“laicismo” é considerado a consequência legítima do pensamento moderno e a
norma mais sábia para a ordenação temporal da sociedade... Neste tempo é
celebrado o nosso Concílio em louvor a Deus, em nome de Cristo, inspirador do
Espírito Santo”. Como Paulo VI. E concluiu indicando na questão de Deus o ponto
central do Concílio, aquele Deus, que “existe realmente, vive, é uma pessoa, é
providente, é infinitamente bom; de fato, não só bom em si mesmo, mas bom imensamente
para nós, é nosso Criador, nossa verdade, nossa felicidade, a tal ponto que o
homem, quando esforça para fixar a mente e o coração em Deus na contemplação,
realiza o ato mais alto e cheio de sua alma, o ato que ainda hoje pode e deve
ser o culminar de inúmeros campos da atividade humana, a partir do qual eles
recebem a sua dignidade” (AAS 58 [1966], 52-53).
Nós vemos como o tempo em que vivemos continua a ser marcado pelo esquecimento
e surdez a Deus. Penso, então, que precisamos aprender a lição mais simples e
mais fundamental do Concílio e isso é que o Cristianismo na sua essência
consiste na fé em Deus, que é Amor trinitário, e no encontro pessoal e
comunitário com Cristo, que orienta e conduz a vida. Tudo o mais é
conseqüência. A coisa importante hoje, próprio como era no desejo dos Padres
conciliares, é que se veja – de novo, com clareza – que Deus é presente, nos
interessa, nos responde. E que, no entanto, quando falta fé em Deus, cai o que
é essencial, porque o homem perde a sua dignidade profunda e o que o torna
grande sua humanidade, contra cada reducionismo. O Concílio nos recorda que a
Igreja, em todos os seus componentes, tem a tarefa de transmitir a palavra de
amor do Deus que salva, para que seja ouvida e acolhida a chamada divina que contêm
em si nossa felicidade eterna.
Olhando nessa perspectiva para a riqueza contida nos documentos do Vaticano II,
quero apenas nomear as quatro Constituições, quase os quatro pontos cardeais da
bússola capaz de nos orientar. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia
“Sacrosanctum Concilium” nos indica como na Igreja desde o início tem a
adoração, tem Deus, tem a centralidade do mistério da presença de Cristo. E a
Igreja, corpo de Cristo e povo peregrino no tempo, tem como tarefa fundamental
glorificar Deus, como exprime a Constituição Dogmática “Lumen Gentium”. O
terceiro documento que desejo citar é a Constituição sobre a divina Revelação
“Dei Verbum”: a Palavra viva de Deus convoca a Igreja e a vivifica ao longo de
todo seu caminho na história. E o modo no qual a Igreja leva ao mundo inteiro a
luz que recebeu de Deus para que seja glorificado, é o tema de fundo da
Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”.
O Concílio Vaticano II é para nós um forte apelo para redescobrir a cada dia a
beleza de nossa fé, a conhecê-la profundamente para uma relação mais intensa
com o Senhor, a viver até o fundo nossa vocação cristã. A Virgem Maria, Mãe de
Cristo e de toda a Igreja, nos ajude a realizar e a cumprir o que os Padres
Conciliares, animados pelo Espírito Santo, guardavam no coração: o desejo que
todos possam conhecer o Evangelho e encontrar o Senhor Jesus como caminho,
verdade e vida. Obrigado.
10 de outubro de 2012
BENTO XVI
Nenhum comentário:
Postar um comentário