quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Catequese de Bento XVI - A fé da Igreja

A nossa fé é verdadeiramente pessoal, somente se é também comunitária: pode ser a minha fé somente se vive e se move no “nós” da Igreja, só se é a nossa fé, a fé comum da única Igreja

Boletim da Santa Sé
(Tradução: Jéssica Marçal e Thaysi Santos - equipe CN Notícias)

Praça São Pedro
Quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Queridos irmãos e irmãs,

Continuamos no nosso caminho de meditação sobre a fé católica. Na semana passada mostrei como a fé é um dom, porque Deus que toma a iniciativa e vem ao nosso encontro; e assim a fé é uma resposta com a qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. É um dom que transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus, o qual opera em nós e nos abre ao amor através de Deus e dos outros.  

Hoje gostaria de dar um outro passo na nossa reflexão, partindo, uma vez mais, de algumas perguntas: a fé tem um caráter somente pessoal, individual? Interessa somente a minha pessoa? Vivo a minha fé sozinho? Certo, o ato de fé é um ato eminentemente pessoal, que vem do íntimo mais profundo e que sinaliza uma troca de direções, uma conversão pessoal: é a minha existência que recebe um ponto de viragem, uma orientação nova. Na Liturgia do Batismo, no momento das promessas, o celebrante pede para manifestar a fé católica e formula três perguntas: crês em Deus Pai onipotente? Crês em Jesus Cristo seu único Filho? Crês no Espírito Santo? Antigamente, estas perguntas eram voltadas pessoalmente àqueles quem iam receber o Batismo, antes que se imergisse por três vezes na água. E também hoje a resposta está no singular: Creio. Mas este meu crer não é resultado de uma reflexão minha, solitária, não é o produto de um pensamento meu, mas é fruto de uma relação, de um diálogo, no qual tem um escutar, um receber e um responder; é o comunicar com Jesus que me faz sair do meu “eu” fechado em mim mesmo para abrir-me ao amor de Deus Pai. É como um renascimento no qual me descubro unido não somente a Jesus, mas também a todos aqueles que caminharam e caminham na mesma via; e este novo nascimento, que inicia com o Batismo, continua por todo o percurso da existência. Não posso construir a minha fé pessoal em um diálogo privado com Jesus, porque a fé é doada a mim por Deus através de uma comunidade crente que é a Igreja e me insere assim na multidão dos crentes em uma comunhão que não é só social, mas enraizada no amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé é verdadeiramente pessoal, somente se é também comunitária: pode ser a minha fé somente se vive e se move no “nós” da Igreja, só se é a nossa fé, a fé comum da única Igreja.

Aos domingos, na Santa Missa, recitando o “Credo”, nós nos expressamos em primeira pessoa, mas confessamos comunitariamente a única fé da Igreja. Aquele “credo” pronunciado singularmente nos une àquele de um imenso coro no tempo e no espaço, no qual cada um contribui, por assim dizer, a uma polifonia harmoniosa na fé. O Catecismo da Igreja Católica resume claramente assim: “‘Crer’ é um ato eclesial. A fé da Igreja antecede, gera, apoia e nutre a nossa fé. A Igreja é Mãe de todos os crentes. ‘Ninguém pode dizer ter Deus como Pai se não tem a Igreja como Mãe’ [são Cipriano]” (n. 181). Também a fé nasce na Igreja, conduz a essa e vive nessa. É importante recordar isso. 

No início da aventura cristã, quando o Espírito Santo desce com poder sobre os discípulos, no dia de Pentecoste – como narram os Atos dos Apóstolos (cfr 2, 1-13) – a Igreja nascente recebe a força para atuar na missão confiada pelo Senhor Ressuscitado: difundir em cada lugar da terra o Evangelho, a boa notícia do Reino de Deus, e conduzir, assim, cada homem ao encontro com Ele, à fé que salva. Os Apóstolos superam todo o medo ao proclamar isso que tinha ouvido, visto e experimentado na pessoa de Jesus. Pelo poder do Espírito Santo, começam a falar em línguas novas, anunciando abertamente o mistério do qual foram testemunhas. Nos Atos dos Apóstolos nos vem dito o grande discurso que Pedro pronuncia propriamente no dia de Pentecoste. Ele parte de uma passagem do profeta Joel (3, 1-5), referindo-se a Jesus, e proclamando o núcleo central da fé cristã: Ele que tinha beneficiado todos, que tinha sido creditado por Deus com milagres e grandes sinais, foi crucificado e morto, mas Deus o ressuscitou dos mortos, constituindo-lhe Senhor e Cristo. Com Ele entramos na salvação definitiva anunciada pelos profetas e quem invocar o seu nome será salvo (cfr At 2,17-24). Ouvindo estas palavras de Pedro, muitos se sentem pessoalmente desafiados, se arrependem de seus pecados e são batizados recebendo o dom do Espírito Santo (cfr At 2, 37-41). Assim começa o caminho da Igreja, comunidade que leva este anúncio no tempo e no espaço, comunidade que é o Povo de Deus fundado na nova aliança graças ao sangue de Cristo e cujos membros não pertencem a um determinado grupo social ou étnico, mas são homens e mulheres provenientes de cada nação e cultura. É um povo “católico”, que fala línguas novas, universalmente aberto a acolher todos, além de todos os limites, quebrando todas as barreiras. Diz São Paulo: “Aqui não há grego ou judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos” (Col 3,11).

A Igreja, portanto, desde o início é o lugar da fé, o lugar da transmissão da fé, o lugar onde, pelo Batismo, se é imerso no Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Cristo, que nos liberta da escravidão do pecado, nos doa a liberdade de filhos e nos introduz da comunhão com o Deus Trinitário. Ao mesmo tempo, estamos imersos na comunhão com os outros irmãos e irmãs de fé, com todo o Corpo de Cristo, retirados do nosso isolamento. O Concílio Ecumênico Vaticano II o recorda: “Deus quis salvar e santificar os homens não individualmente e sem qualquer ligação entre eles, mas quis constituir deles um povo, que o reconhecesse na verdade e fielmente O servisse” (Cost. dogm. Lumen gentium, 9). Ao lembrar a liturgia do Batismo, notamos que, na conclusão das promessas em que expressamos a renúncia ao mal e repetimos “creio” na verdade da fé, o celebrante declara: “Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja e nós nos glorificamos de professá-la em Cristo Jesus Nosso Senhor”. A fé é virtude teologal, doada por Deus, mas transmitida pela Igreja ao longo da história. O próprio São Paulo, escrevendo aos Coríntios, afirma ter comunicado a eles o Evangelho que por sua vez também ele tinha recebido (cfr 1 Cor 15,3).

Há uma cadeia ininterrupta de vida da Igreja, de anúncio da Palavra de Deus, de celebração dos sacramentos, que vem a nós e que chamamos de Tradição. Isso nos dá a garantia de que aquilo em que acreditamos é a mensagem original de Cristo, pregada pelos apóstolos. O núcleo do anúncio primordial é o evento da morte e ressurreição do Senhor, da qual brota toda a herança da fé. Diz o Concílio: "A pregação apostólica, que está expressa de modo especial nos livros inspirados, devia ser repassada com sucessão contínua até o fim dos tempos" (Constituição dogmática. Dei Verbum, 8). Deste modo, se a Bíblia contém a Palavra de Deus, a Tradição da Igreja a preserva e a transmite com fidelidade, para que os homens de cada época tenham acesso a seus vastos recursos e se enriqueçam com seus tesouros de graça. Assim, a Igreja, "em sua doutrina, em sua vida e em seu culto transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo em que acredita" (ibid.).

Finalmente, gostaria de salientar que é na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece. É interessante notar que no Novo Testamento, a palavra "santos" se refere a cristãos como um todo e, certamente, nem todo mundo tinha as qualidades para ser declarado santo pela Igreja. O que se queria indicar, então, por este termo? O fato de que aqueles que viviam a fé no Cristo ressuscitado eram chamados a se tornar um ponto de referência para todos os outros, colocando-os em contato com a Pessoa e a Mensagem de Jesus, que revela o rosto do Deus vivo. E isso vale também para nós: um cristão que se deixa guiar e plasmar pouco a pouco pela fé da Igreja, apesar de suas fraquezas, suas limitações e suas dificuldades, torna-se como uma janela aberta à luz do Deus vivo, que recebe essa luz e a transmite ao mundo. O Beato João Paulo II, na Encíclica Redemptoris missio, afirmava que "a missão renova a Igreja, revigora a fé e a identidade cristã, dá novo entusiasmo e novas motivações. A fé se fortalece se doando. "(n. 2).

A tendência, hoje generalizada, de relegar a fé ao âmbito privado, portanto, contradiz a sua própria natureza. Nós precisamos da Igreja para confirmar a nossa fé e experimentar os dons de Deus: a Sua Palavra, os sacramentos, o apoio da graça e o testemunho do amor. Assim, o nosso "eu" no "nós" da Igreja será capaz de se perceber, ao mesmo tempo, destinatário e protagonista de um evento que o supera: a experiência da comunhão com Deus, que estabelece a comunhão entre as pessoas. Em um mundo em que o individualismo parece regular as relações entre as pessoas, tornando-as sempre mais frágeis, a fé nos chama a ser povo de Deus, a ser Igreja, portadores do amor e da comunhão de Deus para todo gênero humano. (ver Constituição Pastoral. Gaudium et spes, 1). Obrigado por sua atenção.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Santa Teresa de Ávila (Santa Teresa de Jesus)


15 de outubro

Canção Nova

Com grande alegria lembramos, hoje, da vida de santidade daquela que mereceu ser proclamada "Doutora da Igreja": Santa Teresa de Ávila (também conhecida como Santa Teresa de Jesus). Teresa nasceu em Ávila, na Espanha, em 1515 e foi educada de modo sólido e cristão, tanto assim que, quando criança, se encantou tanto com a leitura da vida dos santos mártires a ponto de ter combinado fugir com o irmão para uma região onde muitos cristãos eram martirizados; mas nada disso aconteceu graças à vigilância dos pais. Aos vinte anos, ingressou no Carmelo de Ávila, onde viveu um período no relaxamento, pois muito se apegou às criaturas, parentes e conversas destrutivas, assim como conta em seu livro biográfico. Certo dia, foi tocada pelo olhar da imagem de um Cristo sofredor, assumiu a partir dessa experiência a sua conversão e voltou ao fervor da espiritualidade carmelita, a ponto de criar uma espiritualidade modelo. Foi grande amiga do seu conselheiro espiritual São João da Cruz, também Doutor da Igreja, místico e reformador da parte masculina da Ordem Carmelita. Por meio de contatos místicos e com a orientação desse grande amigo, iniciou aos 40 anos de idade, com saúde abalada, a reforma do Carmelo feminino. Começou pela fundação do Carmelo de São José, fora dos muros de Ávila. Daí partiu para todas as direções da Espanha, criando novos Carmelos e reformando os antigos. Provocou com isso muitos ressentimentos por parte daqueles que não aceitavam a vida austera que propunha para o Carmelo reformado. Chegou a ter temporariamente revogada a licença para reformar outros conventos ou fundar novas casas.

Santa Teresa deixou-nos várias obras grandiosas e profundas, principalmente escritas para as suas filhas do Carmelo : “O Caminho da Perfeição”, “Pensamentos sobre o Amor de Deus”, “Castelo Interior”, “A Vida”. Morreu em Alba de Tormes na noite de 15 de outubro de 1582 aos 67 anos, e em 1622 foi proclamada santa. O seu segredo foi o amor. Conseguiu fundar mais de trinta e dois mosteiros, além de recuperar o fervor primitivo de muitas carmelitas, juntamente com São João da Cruz. Teve sofrimentos físicos e morais antes de morrer, até que em 1582 disse uma das últimas palavras: "Senhor, sou filha de vossa Igreja. Como filha da Igreja Católica quero morrer". No dia 27 de setembro de 1970 o Papa Paulo VI reconheceu-lhe o título de Doutora da Igreja. Sua festa litúrgica é no dia 15 de outubro. Santa Teresa de Ávila é considerada um dos maiores gênios que a humanidade já produziu. Mesmo ateus e livres-pensadores são obrigados a enaltecer sua viva e arguta inteligência, a força persuasiva de seus argumentos, seu estilo vivo e atraente e seu profundo bom senso. O grande Doutor da Igreja, Santo Afonso Maria de Ligório, a tinha em tão alta estima que a escolheu como patrona, e a ela consagrou-se como filho espiritual, enaltecendo-a em muitos de seus escritos.

Santa Teresa de Ávila, rogai por nós!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Arquidiocese de Maceió abre o Ano da Fé com peregrinação ao morro São Bento, em Maragogi


Programação contou com Vigília da Fé, Caminhada e Celebração Eucarística
Por Arquidiocese de Maceió
Muitos fiéis foram em peregrinação na madrugada desta quinta-feira, 11 de outubro, ao Povoado São Bento - em Maragogi, distante 130 Km de Maceió - para participarem da abertura do Ano da Fé na Arquidiocese de Maceió. Evento celebrou os 50 anos do início do Concílio Vaticano II e os 20 anos da promulgação do Catecismo da Igreja Católica.
A programação teve início com uma Vigília da Fé, das 22h da quarta-feira (10) até às 5h desta quinta-feira. Após a bênção do Santíssimo Sacramento o arcebispo de Maceió, dom Antônio Muniz Fernandes, conclamou a todos para uma caminhada em direção ao morro São Bento, onde estão localizadas as ruínas de uma antiga Igreja que servia de hospício para os primeiros missionários quando de suas passagens por terras alagoanas, então pertencentes à Diocese de Olinda.
Durante a caminhada de subida ao morro, juntamente com o arcebispo, vários sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas, seminaristas e fiéis leigos de Movimentos, Pastorais, Associações e Novas Comunidades entoavam cantos à Virgem Maria, a Senhora Aparecida, que foi conduzida num andor, tendo ao lado a bandeira do Vaticano, demonstrando comunhão com toda a Igreja na abertura do Ano da Fé.
Chegando ao topo do morro o arcebispo discorreu algumas palavras sobre a importância do Ano da Fé e o porquê da escolha do morro São Bento para as peregrinações indulgenciais do referido Ano. “Ao chegarmos aqui contemplamos não somente a beleza paisagística, mas um dos locais de passagem dos primeiros missionários que vinham catequizar o nosso povo, em tempos remotos. A reconstrução das muralhas deste Templo, que é um marco histórico e vemos em ruínas, noz faz recordar a reconstrução da nossa fé, do nosso modo de crer em Deus no mundo atual. É preciso uma fé sólida, viva, consistente, de modo que nada a desmorone”, destacou o metropolita.

Ao término da Celebração Eucarística dom Antônio disse que o local servirá para peregrinações indulgenciais durante o Ano da Fé. Daí cada paróquia da Arquidiocese de Maceió deve se organizar para que ao longo deste Ano, a saber: 11 de outubro de 2012 a 24 de novembro de 2013, conduza seus fiéis a uma visita ao morro São Bento. 

Catequese do Papa bento XVI sobre o concilio vaticano II



Caros irmãos e irmãs,


Estamos na vigília do dia em que celebraremos os 50 anos da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II e início do Ano da Fé. Com esta Catequese g

ostaria de começar a refletir – com alguns breves pensamentos – sobre o grande evento da Igreja que foi o Concílio, evento do qual sou testemunha direta. Isso, por assim dizer, nos aparece como um grande afresco, pintado em sua grande multiplicidade e variedade de elementos, sob a orientação do Espírito Santo. E como diante de um grande quadro, daquele momento de graça continuamos também hoje a colher a sua extraordinária riqueza, a redescobrir passagens especiais, fragmentos, entalhes.


O Beato João Paulo II, no limiar do terceiro milênio, escreveu: “Sinto mais do que nunca o dever de apontar o Concílio como a grande graça da qual a Igreja se beneficiou no século XX: nisso nos é oferecido uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que se abre” (Lett. ap. Novo millennio ineunte, 57). Penso que esta imagem seja eloquente. Os documentos do Concílio Vaticano II, aos quais é preciso retornar, removendo-os de uma massa de publicações que sempre em vez de fazê-los conhecer os tem escondido, são, também para o nosso tempo, uma bússola que permite ao navio da Igreja proceder em mar aberto, em meio à tempestade ou onde é calmo e tranquilo, para navegar segura e chegar à meta.

Eu recordo bem aquele período: era um jovem professor de teologia fundamental na Universidade de Bonn, e foi o arcebispo de Colônia, o Cardeal Frings, para mim um ponto de referência humana e sacerdotal, que me levou consigo a Roma como seu teólogo consultor; depois fui também nomeado perito conciliar. Para mim foi uma experiência única: depois de todo o fervor e entusiasmo da preparação, pude ver uma Igreja viva – quase três mil Padres conciliares de todas as partes do mundo reunidos sob a orientação do Sucessor do Apóstolo Pedro – que se coloca na escola do Espírito Santo, o verdadeiro motor do Concílio. Raramente na história foi possível, como então, quase “tocar” concretamente a universalidade da Igreja em um momento de grande realização de sua missão de levar o Evangelho em todo tempo e até os confins da terra. Nestes dias, poderemos rever as imagens da abertura dessa grande assembleia através da televisão ou dos outros meios de comunicação, poderão perceber também vocês a alegria, a esperança e o encorajamento que deu a todos nós o tomar parte deste grande evento de luz, que se irradia até hoje.

Na história da Igreja, como vocês sabem, vários Concílios antecederam o Vaticano II. Geralmente estas grandes Assembleias eclesiais foram convocadas para definir elementos fundamentais da fé, sobretudo corrigindo erros que a colocavam em perigo. Pensemos no Concílio de Niceia em 325, para contrastar a heresia ariana e confirmar com clareza a divindade de Jesus Filho Unigênito de Deus Pai; ou aquele de Éfeso, de 431, que chamou Maria como Mãe de Deus; ou aquele de Calcedônia, de 451, que afirmou a única pessoa de Cristo em duas naturezas, a natureza divina e a humana. Para vir mais próximo a nós, devemos citar o Concílio de Trento, no século XVI, que esclareceu os pontos essenciais da doutrina católica diante da Reforma protestante; ou o Vaticano I, que começou a refletir sobre vários temas, mas teve tempo de produzir somente dois documentos, um cobre o conhecimento de Deus, a revelação, a fé e as relações com a razão e outro sobre a primazia do Papa e sobre a infalibilidade, porque foi interrompido pela ocupação de Roma em setembro de 1870.

Se olhamos para o Concílio Ecumênico Vaticano II, vemos que naquele momento do caminho da Igreja não havia erros particulares de fé para corrigir ou condenar, nem houve questões específicas de doutrina ou de disciplina a serem esclarecidas. Pode-se compreender então a surpresa do pequeno grupo de cardeais presentes na sala capitular do mosteiro beneditino em São Paulo Fora dos Muros, quando, em 25 de janeiro de 1959, o Beato João XXIII anunciou o Sínodo diocesano em Roma e o Concílio para a Igreja Universal. A primeira questão que se colocou na preparação deste grande evento foi o próprio modo de começá-lo, quais tarefas atribuir-lhe. O Beato João XXIII, no discurso de abertura, em 11 de outubro há 50 anos, deu uma indicação geral: a fé devia falar de modo “renovado”, mais incisivo – porque o mundo estava mundando rapidamente – mantendo porém intactos os seus conteúdos perenes, sem falhas ou compromissos. O Papa desejava que a Igreja refeltisse sobre a sua fé, sua verdade que a guia. Mas desta séria e profunda reflexão sobre a fé precisava ser delineado de modo novo a relação entre a Igreja e a idade moderna, entre o Cristianismo e certos elementos essenciais do pensamento moderno, não para estar em conformidade com esses, mas para apresentar a este nosso mundo, que tende a afastar-se de Deus, o ensinamento do Evangelho em toda a sua grandeza e em toda a sua pureza (cfr Discurso à Cúria Romana pelos cumprimento natalinos, 22 de dezembro de 2005). Indica-o muito bem o Servo de Deus Paulo VI na homilia no fim da última sessão do Concílio – em 7 de dezembro de 1965 – com palavras extraordinariamente atuais, quando afirma que, para avaliar adequadamente este evento: “deve ser observado no tempo em que se verificou. De fato – diz o Papa – ocorreu em um momento em que, como todos reconhecem, os homens estão voltados ao reino da terra em vez de estarem voltados ao reino dos céus; um tempo, acrescentamos, em que o esquecimento de Deus se faz habitual, o progresso científico quase o sugere; um tempo em que o ato fundamental da pessoa humana produz mais consciência de si e da própria liberdade, tende a afirmar a própria autonomia absoluta, emancipando-se de toda a lei transcendente; um tempo em que o “laicismo” é considerado a consequência legítima do pensamento moderno e a norma mais sábia para a ordenação temporal da sociedade... Neste tempo é celebrado o nosso Concílio em louvor a Deus, em nome de Cristo, inspirador do Espírito Santo”. Como Paulo VI. E concluiu indicando na questão de Deus o ponto central do Concílio, aquele Deus, que “existe realmente, vive, é uma pessoa, é providente, é infinitamente bom; de fato, não só bom em si mesmo, mas bom imensamente para nós, é nosso Criador, nossa verdade, nossa felicidade, a tal ponto que o homem, quando esforça para fixar a mente e o coração em Deus na contemplação, realiza o ato mais alto e cheio de sua alma, o ato que ainda hoje pode e deve ser o culminar de inúmeros campos da atividade humana, a partir do qual eles recebem a sua dignidade” (AAS 58 [1966], 52-53).

Nós vemos como o tempo em que vivemos continua a ser marcado pelo esquecimento e surdez a Deus. Penso, então, que precisamos aprender a lição mais simples e mais fundamental do Concílio e isso é que o Cristianismo na sua essência consiste na fé em Deus, que é Amor trinitário, e no encontro pessoal e comunitário com Cristo, que orienta e conduz a vida. Tudo o mais é conseqüência. A coisa importante hoje, próprio como era no desejo dos Padres conciliares, é que se veja – de novo, com clareza – que Deus é presente, nos interessa, nos responde. E que, no entanto, quando falta fé em Deus, cai o que é essencial, porque o homem perde a sua dignidade profunda e o que o torna grande sua humanidade, contra cada reducionismo. O Concílio nos recorda que a Igreja, em todos os seus componentes, tem a tarefa de transmitir a palavra de amor do Deus que salva, para que seja ouvida e acolhida a chamada divina que contêm em si nossa felicidade eterna.

Olhando nessa perspectiva para a riqueza contida nos documentos do Vaticano II, quero apenas nomear as quatro Constituições, quase os quatro pontos cardeais da bússola capaz de nos orientar. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia “Sacrosanctum Concilium” nos indica como na Igreja desde o início tem a adoração, tem Deus, tem a centralidade do mistério da presença de Cristo. E a Igreja, corpo de Cristo e povo peregrino no tempo, tem como tarefa fundamental glorificar Deus, como exprime a Constituição Dogmática “Lumen Gentium”. O terceiro documento que desejo citar é a Constituição sobre a divina Revelação “Dei Verbum”: a Palavra viva de Deus convoca a Igreja e a vivifica ao longo de todo seu caminho na história. E o modo no qual a Igreja leva ao mundo inteiro a luz que recebeu de Deus para que seja glorificado, é o tema de fundo da Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”.

O Concílio Vaticano II é para nós um forte apelo para redescobrir a cada dia a beleza de nossa fé, a conhecê-la profundamente para uma relação mais intensa com o Senhor, a viver até o fundo nossa vocação cristã. A Virgem Maria, Mãe de Cristo e de toda a Igreja, nos ajude a realizar e a cumprir o que os Padres Conciliares, animados pelo Espírito Santo, guardavam no coração: o desejo que todos possam conhecer o Evangelho e encontrar o Senhor Jesus como caminho, verdade e vida. Obrigado.

10 de outubro de 2012
BENTO XVI

Santa Missa para a abertura do ano da fé, Homilia do Papa Bento XVI



Praça de São Pedro - Quinta-feira, 11 de Outubro de 2012
Por Vaticano




Venerados Irmãos
Queridos irmãos e irmãs!


Hoje, com grande alegria, 50 anos depois da abertura do Concílio Vaticano II, damos início aoAno da fé. Tenho o prazer de saudar a todos vós, especialmente Sua Santidade Bartolomeu I, Patriarca de Constantinopla, e Sua Graça Rowan Williams, Arcebispo de Cantuária. Saúdo também, de modo especial, os Patriarcas e Arcebispos Maiores das Igrejas Orientais católicas, e os Presidentes das Conferências Episcopais. Para fazer memória do Concílio, que alguns dos aqui presentes – a quem saúdo com afeto especial - tivemos a graça de viver em primeira pessoa, esta celebração foi enriquecida com alguns sinais específicos: a procissão inicial, que quis recordar a memorável procissão dos Padres conciliares, quando entraram solenemente nesta Basílica; a entronização do Evangeliário, cópia daquele que foi utilizado durante o Concílio; e a entrega dassete mensagens finais do Concílio e do Catecismo da Igreja Católica, que realizarei no termo desta celebração, antes da Bênção Final. Estes sinais, não nos fazem apenas recordar, mas também nos oferecem a possibilidade de ir além da comemoração. Eles nos convidam a entrar mais profundamente no movimento espiritual que caracterizou o Vaticano II, para que se possa assumi-lo e levá-lo adiante no seu verdadeiro sentido. E este sentido foi e ainda é a fé em Cristo, a fé apostólica, animada pelo impulso interior que leva a comunicar Cristo a cada homem e a todos os homens, no peregrinar da Igreja nos caminhos da história.

O Ano da fé que estamos inaugurando hoje está ligado coerentemente com todo o caminho da Igreja ao longo dos últimos 50 anos: desde o Concílio, passando pelo Magistério do Servo de Deus Paulo VI, que proclamou um "Ano da Fé", em 1967, até chegar ao o Grande Jubileu do ano 2000, com o qual o Bem-Aventurado João Paulo II propôs novamente a toda a humanidade Jesus Cristo como único Salvador, ontem, hoje e sempre. Entre estes dois Pontífices, Paulo VI e João Paulo II, houve uma profunda e total convergência na visão de Cristo como o centro do cosmos e da história, e no ardente desejo apostólico de anunciá-lo ao mundo. Jesus é o centro da fé cristã. O cristão crê em Deus através de Jesus Cristo, que nos revelou a face de Deus. Ele é o cumprimento das Escrituras e seu intérprete definitivo. Jesus Cristo não é apenas o objeto de fé, mas, como diz a Carta aos Hebreus, é aquele «que em nós começa e completa a obra da fé» (Hb 12,2).



O Evangelho de hoje nos fala que Jesus Cristo, consagrado pelo Pai no Espírito Santo, é o verdadeiro e perene sujeito da evangelização. «O Espírito do Senhor está sobre mim, / porque ele me consagrou com a unção / para anunciar a Boa-Nova aos pobres» (Lc 4,18). Esta missão de Cristo, este movimento, continua no espaço e no tempo, ao longo dos séculos e continentes. É um movimento que parte do Pai e, com a força do Espírito, impele a levar a Boa-Nova aos pobres, tanto no sentido material como espiritual. A Igreja é o instrumento primordial e necessário desta obra de Cristo, uma vez que está unida a Ele como o corpo à cabeça. «Como o Pai me enviou, também eu vos envio» (Jo 20,21). Estas foram as palavras do Senhor Ressuscitado aos seus discípulos, que soprando sobre eles disse: «Recebei o Espírito Santo» (v. 22). O sujeito principal da evangelização do mundo é Deus, através de Jesus Cristo; mas o próprio Cristo quis transmitir à Igreja a missão, e o fez e continua a fazê-lo até o fim dos tempos infundindo o Espírito Santo nos discípulos, o mesmo Espírito que repousou sobre Ele, e n’Ele permaneceu durante toda a vida terrena, dando-lhe a força de «proclamar a libertação aos cativos / e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor» (Lc 4,18-19).

O Concílio Vaticano II não quis colocar a fé como tema de um documento específico. E, no entanto, o Concílio esteve inteiramente animado pela consciência e pelo desejo de ter que, por assim dizer, imergir mais uma vez no mistério cristão, para poder propô-lo novamente e eficazmente para o homem contemporâneo. Neste sentido, o Servo de Deus Paulo VI, dois anos depois da conclusão do Concílio, se expressava usando estas palavras: «Se o Concílio não trata expressamente da fé, fala da fé a cada página, reconhece o seu caráter vital e sobrenatural, pressupõe-na íntegra e forte, e estrutura as suas doutrinas tendo a fé por alicerce. Bastaria recordar [algumas] afirmações do Concílio (...) para dar-se conta da importância fundamental que o Concílio, em consonância com a tradição doutrinal da Igreja, atribui à fé, a verdadeira fé, que tem a Cristo por fonte e o Magistério da Igreja como canal» (Catequese na Audiência Geral de 8 de março de 1967). Até aqui, a citação de Paulo VI, em 1967.


Agora, porém, temos de voltar para aquele que convocou o Concílio Vaticano II e que o inaugurou: o Bem-Aventurado João XXIII. No Discurso de Abertura, ele apresentou a finalidade principal do Concílio usando estas palavras: «O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz. (...) Por isso, o objetivo principal deste Concílio não é a discussão sobre este ou aquele tema doutrinal... Para isso, não havia necessidade de um Concílio... É necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e apresentada de forma a responder às exigências do nosso tempo» (AAS 54 [1962], 790791-792). Até aqui, a citação do Papa João XIII, na inauguração do Concílio.

À luz destas palavras, entende-se aquilo que eu mesmo pude então experimentar: durante o Concílio havia uma tensão emocionante, em relação à tarefa comum de fazer resplandecer a verdade e a beleza da fé no hoje do nosso tempo, sem sacrificá-la frente às exigências do presente, nem mantê-la presa ao passado: na fé ecoa o eterno presente de Deus, que transcende o tempo, mas que só pode ser acolhida no nosso hoje, que não torna a repetir-se. Por isso, julgo que a coisa mais importante, especialmente numa ocasião tão significativa como a presente, seja reavivar em toda a Igreja aquela tensão positiva, aquele desejo ardente de anunciar novamente Cristo ao homem contemporâneo. Mas para que este impulso interior à nova evangelização não seja só um ideal e não peque de confusão, é necessário que ele se apoie sobre uma base de concreta e precisa, e esta base são os documentos do Concílio Vaticano II, nos quais este impulso encontrou a sua expressão. É por isso que repetidamente tenho insistido na necessidade de retornar, por assim dizer, à «letra» do Concílio - ou seja, aos seus textos - para também encontrar o seu verdadeiro espírito; e tenho repetido que neles se encontra a verdadeira herança do Concílio Vaticano II. A referência aos documentos protege dos extremos tanto de nostalgias anacrônicas como de avanços excessivos, permitindo captar a novidade na continuidade. O Concílio não excogitou nada de novo em matéria de fé, nem quis substituir aquilo que existia antes. Pelo contrário, preocupou-se em fazer com que a mesma fé continue a ser vivida no presente, continue a ser uma fé viva em um mundo em mudança.

Se nos colocarmos em sintonia com a orientação autêntica que o Bem-Aventurado 
João XXIII queria dar ao Vaticano II, poderemos atualizá-la ao longo deste Ano da Fé, no único caminho da Igreja que quer aprofundar continuamente a «bagagem» da fé que Cristo lhe confiou. Os Padres conciliares queriam voltar a apresentar a fé de uma forma eficaz, e se quiseram abrir-se com confiança ao diálogo com o mundo moderno foi justamente porque eles estavam seguros da sua fé, da rocha firme em que se apoiavam. Contudo, nos anos seguintes, muitos acolheram acriticamente a mentalidade dominante, questionando os próprios fundamentos do depositum fidei a qual infelizmente já não consideravam como própria diante daquilo que tinham por verdade.


Se a Igreja hoje propõe um novo Ano da fé e a nova evangelização, não é para prestar honras a uma efeméride, mas porque é necessário, ainda mais do que há 50 anos! E a resposta que se deve dar a esta necessidade é a mesma desejada pelos Papas e Padres conciliares e que está contida nos seus documentos. Até mesmo a iniciativa de criar um Concílio Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização – ao qual agradeço o empenho especial para o Ano da fé – enquadra-se nessa perspectiva. Nos últimos decênios tem-se visto o avanço de uma "desertificação" espiritual. Qual fosse o valor de uma vida, de um mundo sem Deus, no tempo do Concílio já se podia perceber a partir de algumas páginas trágicas da história, mas agora, infelizmente, o vemos ao nosso redor todos os dias. É o vazio que se espalhou. No entanto, é precisamente a partir da experiência deste deserto, deste vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós homens e mulheres. No deserto é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente. E no deserto existe, sobretudo, necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança. A fé vivida abre o coração à Graça de Deus que liberta do pessimismo. Hoje, mais do que nunca, evangelizar significa testemunhar uma vida nova, transformada por Deus, indicando assim o caminho. A primeira Leitura falava da sabedoria do viajante (cf. Eclo 34,9-13): a viagem é uma metáfora da vida, e o viajante sábio é aquele que aprendeu a arte de viver e pode compartilhá-la com os irmãos - como acontece com os peregrinos no Caminho de Santiago, ou em outros caminhos de peregrinação que, não por acaso, estão novamente em voga nestes últimos anos. Por que tantas pessoas hoje sentem a necessidade de fazer esses caminhos? Não seria porque neles encontraram, ou pelo menos intuíram o significado do nosso estar no mundo? Eis aqui o modo como podemos representar este Ano da fé: uma peregrinação nos desertos do mundo contemporâneo, em que se deve levar apenas o que é essencial: nem cajado, nem sacola, nem pão, nem dinheiro, nem duas túnicas - como o Senhor exorta aos Apóstolos ao enviá-los em missão (cf. Lc 9,3), mas sim o Evangelho e a fé da Igreja, dos quais os documentos do Concílio Vaticano II são uma expressão luminosa, assim como é oCatecismo da Igreja Católica, publicado há 20 anos.

Venerados e queridos irmãos, no dia 11 de outubro de 1962, celebrava-se a festa de Santa Maria, Mãe de Deus. A Ela lhe confiamos o Ano da fé, tal como fiz há uma semana, quando fui, em peregrinação, a Loreto. Que a Virgem Maria brilhe sempre qual estrela no caminho da nova evangelização. Que Ela nos ajude a pôr em prática a exortação do Apóstolo Paulo: «A palavra de Cristo, em toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros, com toda a sabedoria... Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus. Por meio dele dai graças a Deus Pai» (Col 3,16-17). Amém